por LUÍS FILIPE MENEZES
A OUTRA VERDADE
Os intocáveis
As audições de Manuela Moura Guedes e Francisco Pinto Balsemão na Comissão de Ética da Assembleia da República nada acrescentaram à delirante teoria da conspiração, denominada "atentado contra o Estado de direito", que, entre outros, envolve o primeiro-ministro.
Todavia, essas conversas distendidas alertaram o poder político e a opinião pública para a necessidade de reformas básicas e óbvias, que muito poderão ajudar a estabelecer um são convívio entre o poder dos media e o poder político.
Manuela Moura Guedes falou da influência do intocável dr. Vitorino no silenciar da TVI. Falou ainda de um jornalista, heterodoxo e pró-Governo, que sentindo-se mal na TVI transitou com tranquilidade para uma choruda assessoria no Taguspark.
Também o dr. Balsemão, no meio de generalidades ditas com boa pose e ar grandiloquente - que, pasme-se!, faz com que seja idolatrado pela mesma esquerda radical que o vilipendiava e queimava na fogueira, não vão lá muitos anos -, recuperou a tese de que os serviços públicos de comunicação social deviam viver sem acesso à publicidade comercial.
Comecemos por Manuela Moura Guedes. Ter-se-á de facto António Vitorino metido de permeio no affaire TVI? Pouco me importa. O que é óbvio é que o gabinete de advogados do seráfico dr. António Vitorino está entre a meia dúzia dos que intermedeiam mais de 90% dos grandes negócios de Estado e monopolizam as generosas assessorias da esmagadora maioria das grandes empresas privadas, bem como das públicas mais relevantes, com as apetitosas golden share à cabeça. Não há nenhum negócio público e parapúblico que não passe por eles. Chame-se Freeport, "Face Oculta", Moderna, aquisição de submarinos e aviões, abate de sobreiros, venda e compra de petróleo ou gás natural, de energias renováveis, etc., etc., etc..
Estruturalmente bem concebidos, pontificam nestes gabinetes ex-membros do Governo de vários partidos, colaboradores e ex-colaboradores presidenciais, cônjuges de banqueiros e quejandos. Um tentacular polvo, puro e cândido? Claro. Tudo escrupulosamente sério e legal. Que culpa têm esses gabinetes que um dos seus principais membros esteja, à vez, ou na oposição ou no Governo? Onde está a ilegitimidade, se um dos seus advogados é marido, mulher ou concubina(o) do banqueiro que tem a faca e o queijo na mão numa grande transacção internacional? Que maldade está subjacente, se um dos seus membros fizer um part-time em S. Bento ou Belém?
Era o que faltava, cercear a livre afirmação cívica de tais insubstituíveis competências! Para incompatibilidades já chegam as que, profilacticamente, são aplicáveis a esses inúteis, venais, e exorbitantemente bem pagos, titulares de cargos públicos.
Ao contrário, criminosos e de mau carácter, são esses miseráveis pés-descalços que andam por aí pelas empresas públicas a protegerem aqui e acolá o partido a que pertencem. Para não falar desse perigoso submundo de futebol, empreitadas, subsídios e autarquias!
Os outros, os jurisconsultos de colarinho esmeradamente branco, ar condicionado bem controlado e perfume parisiense, esses são impolutos, intocáveis e, coitados!, pagam tantos impostos!
Com uma diferença: estes decidem milhões, os maltrapilhos repartem tostões!!!
Os primeiros têm direito a defender-se na Judite Sousa; os segundos penam em longas prisões preventivas que lavam consciências.
Mas tudo isto poderia ser diferente? Claro que sim.
Bastaria que todo o outsourcing nestas áreas passasse a ser escolhido por concurso público. Que o Estado tivesse um departamento central de consultadoria jurídica, alicerçado num corpo alargado de bons profissionais, em full-time e substantivamente bem pagos. Também a Procuradoria-Geral da República deveria ter um departamento de consulta à administração, em vez do difícil e penoso acesso aos pareceres do seu Conselho Consultivo.
Por sua vez, uma Ordem dos Jornalistas devia elaborar um código deontológico exigente que estabelecesse um período de nojo, de cinco anos, para qualquer transferência entre a actividade profissional nos media e uma qualquer assessoria profissional pública ou privada.
Igualmente, jornalistas no activo só poderiam ascender à propriedade de órgãos de comunicação social após renunciarem à condição de jornalista por igual período de tempo.
A Entidade Reguladora da Comunicação Social e quejandos organismos arcaicos deviam ser extintos. A auto-regulação devia ser a única censura das redacções. O resto ficava para as leis e para os tribunais.
Finalmente, a defesa feita por Balsemão sobre a publicidade nos media. Há dois anos e meio defendi que a RTP e a RDP deviam deixar de angariar publicidade comercial. Por dois motivos: porque a taxa de audiovisual já tinha ultrapassado em receita muito mais do que estava previsto no contrato de viabilidade financeira da empresa e porque dessa forma se estava a dar um novo fôlego, leia-se independência económica e financeira - por isso política, aos principais grupos de comunicação. Fui então abandonado na praça pública, a começar pelo próprio dr. Balsemão. O então director do Público, um dos primeiros atingidos pela crise, desfez-me num editorial violento e sectário, hoje completamente ridículo mas que à época satisfazia o clã de amigos da Marmeleira.
É assim, nem sempre é bom ter razão antes do tempo.
Fica todavia a esperança de que, mesmo para os problemas mais bicudos, existem saídas e soluções. Haja esperança!
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