1.12.09

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Causas e Consequências

Estupefactos

Não seria de esperar que Ricardo Rodrigues exigisse a divulgação das “conversas privadas” entre Sócrates e Vara?

Estava o país posto em sossego a dissertar melancolicamente sobre temas menores – como a operação ‘Face Oculta’, o combate à corrupção, o espectáculo da Justiça, o descalabro orçamental, o galopante endividamento público e o inevitável aumento de impostos – quando algumas almas mais atentas se lembraram de apimentar este desconchavado ramalhete com a nomeação de Fernando Lima para assessor da Casa Civil da Presidência da República. Sempre em cima do acontecimento, o ‘Diário de Notícias’ dedicou, de imediato, a sua primeira página a este hipotético escândalo. Fernando Lima, "o assessor das escutas", como há quem goste de o chamar, não só não tinha sido corrido de Belém por indecente e má figura como fora inesperadamente promovido por Cavaco Silva, em total desrespeito pelas fortes convicções dos democratas do costume – que naturalmente o viam já condenado ao subsídio de desemprego.
Como seria de esperar, sucedeu-se uma séria de indignações avulsas.
O deputado Ricardo Rodrigues, excelso vice-presidente da bancada socialista, declarou-se – usando a Assembleia da República para se exprimir a título pessoal – "estupefacto" com a desfaçatez, presume-se, do Presidente da República. Sabendo que o sr. Ricardo Rodrigues não é particularmente dado a grandes estupefacções, assimilando com grande naturalidade os inúmeros imbróglios em que está envolvido o PS, pode-se perguntar o que o terá levado a estes extremos em relação a Fernando Lima. A resposta, comezinha, passa obviamente por tentar diluir a trapalhada em que se enrolou o eng. Sócrates com as suas "conversas privadas" com o amigo Armando Vara, ao mesmo tempo que se tenta simultaneamente retirar margem de manobra ao Presidente da República para se pronunciar sobre toda esta matéria.
Esta táctica, tão brilhantemente cozinhada, sofre, no entanto, de algumas deficiências. Em primeiro lugar, Fernando Lima não foi apanhado em nenhuma escuta, muito menos numa escuta relacionada com um processo criminal. Em segundo lugar, Fernando Lima foi sacrificado porque o ‘Diário de Notícias’, em plena campanha eleitoral, decidiu publicar um mail privado de um jornalista do ‘Público’, declarando pomposamente que este era do interesse público – o que obviamente não era. Por último, a "estupefacção" do sr. Ricardo Rodrigues vem do facto de ter tido conhecimento do mail privado de um jornalista. Não seria então de esperar que o mesmo Ricardo Rodrigues exigisse a divulgação das "conversas privadas" entre José Sócrates e Armando Vara de forma a podermos ficar todos também estupefactos?



Constança Cunha e Sá, Jornalista

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