Máfia dos bingos
Cabeça de lista pelo círculo de Fora da Europa diz ter participado em encontros onde José Lello e António Braga negociaram apoios em troca de futuras nomeações para cargos
O cabeça de lista do PS pelo círculo eleitoral de Fora da Europa nas eleições de 2005, Aníbal Araújo, confirmou ontem que o partido terá negociado financiamentos para a campanha de então, em troca de cargos cuja nomeação ou indicação passaria pelo Governo. Segundo o candidato, que acabou por não ser eleito nem integra agora as listas do PS, as conversas envolveram directamente José Lello, então responsável do partido pela área das Comunidades Portuguesas, e António Braga, que integra o actual Governo como secretário de Estado das Comunidades.
Em declarações recolhidas pela rádio TSF, Aníbal Araújo garante que participou em vários desses encontros, tendo os dirigentes socialistas como interlocutor o empresário luso-brasileiro Licínio Bastos, que dois anos depois (Abril de 2007) viria a ser detido pelas autoridades brasileiras por estar envolvido no caso que ficou conhecido como amáfia dos bingos. Numa dessas reuniões, relata Araújo, foi claramente discutida a futura "nomeação de Licínio Bastos pela Águas de Portugal [para uma empresa participada no Brasil] e para a Vivo [operadora móvel participada da Portugal Telecom] ".
Suspeitas antigas
Contactado ontem pelo PÚBLICO, o antigo cabeça de lista remeteu para o depoimento recolhido pela TSF, argumentando que não queria voltar a falar no assunto antes das eleições, "para que o tema não possa ser usado como matéria de campanha". Também da parte dos dirigentes socialistas não foi possível recolher qualquer declaração, uma vez que não foi atendido qualquer dos telefonemas efectuados durante a tarde e início da noite de ontem. A única reacção foi colhida pela TSF junto do gabinete de imprensa do PS, que disse não comentar "insinuações delirantes a 28 horas do final da campanha eleitoral".
As suspeitas de que o PS terá obtido financiamentos junto damáfia dos bingosbrasileira foram largamente noticiadas pelo PÚBLICO em Maio de 2007, na sequência duma vasta operação desencadeada pelas autoridades policiais do Brasil, que desmantelou uma rede ligada a salas de bingo e máquinas de jogos de azar. Licínio Bastos era um dos 25 detidos, todos suspeitos de envolvimento em esquemas de corrupção para obtenção de decisões políticas em benefício da exploração de casas de jogo e também para compra de decisões judiciais favoráveis.
As ligações com os dirigentes do PS português resultavam das escutas efectuadas pela Polícia Federal brasileira ao longo das investigações, mas desde a escolha do candidato para cabeça de lista pelo círculo de Fora da Europa que os membros da Federação do PS no Brasil vinham denunciando a situação. Os socialistas da comunidade portuguesa no Brasil chegaram mesmo a escrever ao secretário-geral do PS, José Sócrates, denunciando que José Lello tinha "desautorizado e ignorado as deliberações" das estruturas do partido no Brasil e que a escolha do cabeça de lista tinha sido "comprada" por Licínio Bastos.
"Dinheiro a rodos"
"Só qualquer coisa de muito forte, que podia significar muito dinheiro, permitia que as deliberações de uma federação partidária, legal e organizada, fosse pisada a pés, com absoluto desrespeito pelas pessoas", escreveu então no blogueportugalglobal.blogspot.com Miguel Reis, um advogado luso-brasileiro, com escritório em São Paulo, que entretanto tinha terminado a militância no PS.
Em Maio de 2007, em declarações ao PÚBLICO, o jurista explicaria que todas as suspeitas se confirmaram com o início da campanha. "Começou a ver-se que havia dinheiro a rodos para avionetas e acções de grande impacto", disse. Nessa altura, José Lello afirmava desconhecer a origem do financiamento. "Conheci Licínio Bastos durante a campanha. Foi-me apresentado por Aníbal Araújo e não sei se foi ele o financiador", garantiu.
Apesar da polémica, o PS ficou a cerca de 300 votos de eleger pela primeira vez um deputado pelo círculo de Fora da Europa, onde o PSD tem sempre preenchido os dois lugares. José Lello diria depois que tal só foi possível porque os votos da Venezuela não chegaram a Portugal, devido às cheias ocorridas naquele país, e também pelo facto de no Brasil terem sido contabilizados 480 votos de pessoas já falecidas.
Após as eleições, Licínio Bastos viria a ser nomeado cônsul honorário de Portugal em Cabo Frio, no Brasil, por despacho do secretário de Estado das Comunidades, António Braga, publicado noDiário da República de 16 de Maio de 2006, mas nunca terá chegado a tomar posse, uma vez que foi exonerado quando se soube que estava a ser investigado pela polícia brasileira. Por indicação do Governo, Aníbal Araújo foi, também em 2006, condecorado com a Ordem do Infante D. Henrique, durante as comemorações do 10 de Junho.
notícia do PÚBLICO
Sem comentários:
Enviar um comentário